Lições para uma vida toda em 15 minutos.

Praça General Osório - Vicente de Carvalho.
Era esse o trajeto que eu estava fazendo de metrô, por volta de 14:30, sexta feira. Consegui sentar, mas no banco preferencial. Mas não consegui ligar o rádio, porque não tem sinal nas estações subterrâneas. Cabe dizer que sou absurdamente anti social em transportes públicos.

Primeiro entraram duas meninas homossexuais, em alguma estação no Centro. Uma mulher de 50 e poucos anos, que estava na minha frente, puxou assunto com a outra do meu lado:

- Nossa, você viu aquilo? Que juventude é essa.
- Ah, minha filha, mas é assim mesmo. Eu respeito, sabe. Apesar de achar que Deus fez o homem pra mulher.
- Triste.

Aqui eu tive vontade de dizer: Deus nos fez pra sermos felizes, independente dos olhares da sociedade.
Então a moça ao meu lado, tentando aliviar as coisas, contou uma breve história:

- Eu tenho uma amiga que sofreu tanto na mão de homem que hoje vive com outra mulher! Mora ela, a namorada e os filhos! E olha, ela é muito feliz!
- Podia ter sido feliz sozinha. Ah lá, viu? Olha ela falando que nem um homem (risos). Que absurdo!

Nessa hora eu tive vontade de mudar de lugar. Mas como o metrô estava lotado, fiquei por ali mesmo. Próxima estação, as duas meninas desceram e a preconceituosa sentou no lugar delas, bem longe de mim, obrigada.

Eis que nessa hora o meu dia muda. Surge uma senhora, de 1,39 (ditos por ela mesmo) na minha frente. Obviamente dei lugar pra ela. E que coisa mais fofa!
- Oh, minha filha, me dá aqui sua bolsa! Já sentei no seu lugar mesmo!
- Que isso, senhora, é direito seu!
- Oh, andei tanto hoje!
- Eu também - Se manifestou o rapaz sentado no chão.
- É meu filho? Quer sentar aqui?
- Não, claro que não!

Nessa hora todas as atenções já tinham se voltado pra aquela linda criatura.

- Sabe, meu filho, eu tenho 82 anos! Tô vindo do trabalho!
- Mas a senhora não tá aposentada?
- Tô! Mas eu vou ficar parada? Sou cabeleireira! Trabalho na Tijuca! E não me chama de senhora não! Gosto que me chame de Vó! Olha, hoje eu já fui pra Tijuca e de lá vim na rodoviária, comprar minha passagem. Viajo dia 16!
- Sozinha?
- Sozinha! Vou ver meus netos, eles estão morando em Raposo. Sabe, eu perdi um filho de 41 anos. Perdi não, devolvi pra Deus. Depois perdi meu marido. Ele era daqueles que dava a volta pra abrir a porta do carro pra mim. Mas ele foi lá pra perto de Deus. Aí, criei meus dois netos, se formaram... um já me deu até bisneto! Agora eu fico assim, entre Rio e Raposo.
- Nossa, que disposição! Eu não quero chegar aos 82 anos não!
- Não fala isso, meu filho! Olha, ser velha é uma delícia! Todo mundo te trata feito criança. É um pra te atravessar a rua, um pra te segurar na calçada...Eu adoro! Tem uma conhecida minha que reclama quando faz aniversário 'Ah, tô ficando velha...'. Tá ficando velha nada, é sinal de que tá viva! Se tivesse morrido não fazia aniversário!
- Só falta a senhora dizer que não fuma e não bebe! - Brincou a moça do lado, aqueeela que defendeu o casal de lésbicas.
- Beber eu nunca bebi não. Mas fumar eu fumava! Hoje em dia não fumo mais.
- Ah, eu fumo, Vó. - O rapaz voltou pra conversa.
- Sabe, meu filho, não adianta ninguém falar pra você parar, não adianta ninguém falar pra você mudar. A gente só muda quando quer de verdade. Tiveram muitas coisas que a minha mãe me ensinou. Vocês não precisam escutar não, que já são mais velhos. Só vou falar pra você (o neto adotivo que ela tinha acabado de arrumar) e você (que vinha a ser eu): A primeira coisa é amar a vida. Viver mesmo, aproveitar a juventude. Não existe nenhuma fase na sua vida melhor do que a juventude. Depois, a gente tem que aprender a amar o presente. O amanhã ainda nem chegou! Pra que eu vou me preocupar ou sofrer por antecipação? Hoje em dia eu não tenho mais medo de nada! A terceira é não odiar ninguém. Isso de ficar desejando o mal do outro, não gostando de alguém, só faz mal pra a gente! Ih, a próxima estação já é Engenho da Rainha, tenho que descer! Me dá a mão aqui, meu filho! - Um passageiro instantaneamente segurou a senhora - Viu como é que tem sempre alguém pra me ajudar?
- Tchau, Vó!
- Tchau, fiquem com Deus! E desculpa por ter incomodado, falado muito.

Desculpa nada. Muito obrigada pela melhor viagem de metrô que eu já fiz, Vó.


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